Waldizinho
Fragoso, fundador e professor do Educandário Rui Barbosa, era tido por toda
Mirabela da Serra como o mais culto das redondezas. Nas quermesses de São
Sebastião virava e mexia estava a declamar versos de Camões ou Bilac.
Nas
solenidades da câmara seus discursos eram de uma belezura só. Ninguém entendia nada,
só ele, mas que eram uma belezura, ah isto eram... O professor sempre com o seu
chapéu panamá á mão, não terminava uma prosa sem uma alusão em latim: -
Veristas vincit. (A verdade vence).
Porem,
antes que um grande letrado, o professor eram acima de tudo um pródigo sábio.
Casado há anos com D. Socorro do Perpetuo, velha parteira que trouxe ao mundo
metade de Mirabela e não tendo filhos, acabaram adotando fraternalmente durante
anos todos os filhos da ilustre cidade com lições paternais.
Quando
o prefeito Idalício Porqueiro, antigo aluno, veio
buscando seu apoio a sua candidatura assegurando serem injuriosas e
difamatórias as afirmações contra sua pessoal, o educador polidamente citou,
saindo de fino: - Vox populi, vox Dei. (A voz do povo é a voz de Deus).
Apreciador de uma boa cachaça era figura carimbada ao cair da
tarde no empório do Olímpio Espanhol onde começava explicando, tal como Lulu
Bergantim, por que não atravessou o Rubicão e após a terceira doze conclamava
ao povo a se unirem a queda das muralhas de Jericó.
Numa
destas noites, o vereador Nilo Gentil que lá se encontrava atacava a retidão do
alcaide Idalício e queria a todo custo dirigir-se a prefeitura para tirar
satisfações sobre uma obra de saneamento que fora embargada, acreditando-se por
motivos escusos.
O
amanuense que tudo assistia em profundo silencio em dado momento balbuciou do
fundo do salão: - Abundans cautela non nocet (Cautela em excesso não faz mal a ninguém). Em
seguida brindou os
presentes com o seguinte ensinamento, que escutaram sorvidos em profundo
silencio:
Certa vez
uma menina ganhou um brinquedo. Uma amiguinha foi até sua casa para brincar.
Mas a menina tinha que sair com a mãe. A amiga pediu que deixasse ficar
brincando com seu brinquedo até que ela voltasse. Ela não gostou muito da ideia,
mas por insistência da mãe, concordou.
Ao retornar
para casa, a amiguinha já não estava e tinha deixado o brinquedo todo quebrado.
Furiosa, no mesmo instante quis ir até à casa da amiga para brigar, mas a mãe
ponderou:
- Você se lembra daquela vez que um cavalo
jogou lama no seu sapato? Ao chegar em casa você queria limpar
imediatamente mas sua avó não deixou.
Ela falou que você deveria primeiro deixar o barro secar, pois depois ficaria
mais fácil limpar...
E
prosseguiu dizendo: - Com a raiva é a mesma coisa. Deixe a raiva secar
primeiro, depois ficará bem mais fácil resolver tudo.
Mais
tarde, a campainha tocou: era a amiga trazendo um brinquedo novo... Disse que
não tinha sido culpa dela, e sim de um menino invejoso que, por maldade, havia
quebrado o brinquedo quando ela brincava com ele no jardim.
E a
menina agradecida respondeu: - Não faz mal, minha raiva já secou! E arrematou o sábio catedrático:
- Accipere quam facere praetat injuriam (antes
sofrer o mal que fazê-lo).
Este
episódio, ao retornar para a pensão me fez pensar quantas vezes não deixei o
barro secar me indispondo desnecessariamente em meu dia-a-dia, na família, na
escola, em casa ou no trabalho. Se tivesse segurado meus ímpetos, deixando
secar o barro da minha ira para somente depois limpa-lo, teria evitado cometer
tantas injustiças com pessoas que amo!
Pena que
não posso mudar o início de varias situações que comecei, mas que bom que posso
e devo alterar o seu o final!
Que JC
ilumine!